SINAIS DOS TEMPOS OU DISSOLUÇÃO DO
BEM
Ronaldo Araújo
Meus
olhos piscam
busco ir
adiante
diante de
carros, buzinas, bundas,
que me impeçam
o medo
faz minha cabeça
vazia
morte,
morte, morte
que nunca
vence a vida
que se
refaz
a cada
instante na maternidade
barriga
farta de sonhos
meninas
se lançam
precocemente
avanço o
sinal
sou outro
daqui a cinco segundos
nascido
do exato momento do novo parto
meus
olhos piscam diante
vitrines,
vidraças, biquínis, desgraças
homem
néscio
mulheres
em parto.
Estou
entre os sinais dos tempos
ou
dissolução do bem.
Mas, sigo
adiante
EXCLUSÃO
EXCLUSIVA
Ronaldo Araújo
Não me
escutem depois do meio dia
a
ansiedade campeia espaços
minha
mente vaga
não me
levem a sério depois de meia vida
não quero
ser elogiado depois de inerte
as
paredes caíram defronte meus olhos assombrados
não me
esperem depois de amanhã
o que
está entre o agora e o futuro
ninguém
sabe
meu gozo
é úmido, orvalho aguando a esperança
silêncio
se contrapondo às palavras
perplexidade
o dia
parindo o medo e o medo parindo o escuro
perplexidade
olhares
cruzando a rua
e a rua
cruzando os ares
ninguém
perplexo, ninguém indignado
crianças
e velhos mendigam nas calçadas frias
perplexidade
nenhuma
nenhuma
cidade sente
a úlcera
da exclusão é na alma.
DESMUNDO
Ronaldo Araújo
todo cego ver
isso não é mundo
é desmundo
imundo
desmanche
desencanto
desintegração da vida humana
todos que defendem essa ordem social
são cínicos
algozes de milhões de famintos
executores das desigualdades capitais
todos que pregam essa liberdade parcial
são oportunistas
imorais sem idoneidade ética
armazenam para si o que é de outrem
essa ordem social é no mínimo equivocada
mundo
revirado
imaginário desmundo
da insensatez
não seria imundo
explorar o mundo
destruir o mundo
devassar o homem como mercadoria?
todo cego ver
isso não é mundo
é desmundo
imundo
desmanche
desencanto
desintegração da vida humana.
INCOMODE-SE
Ronaldo Araújo
não
precisa trancar os ouvidos
há gritos
que já estão nas suas células
você ouve
por dentro
o que
fere à ética
é não
querer ouvir a voz que grita no cérebro
incomode-se
sinta
remorso
vergonha
de se postar como parede
incomode-se
molde-se
ao vento
que a
cada momento limpa e transforma o limo
expulsar
o nocivo
sonhe
alimentar
os anseios nobres
desdobramentos
lógicos
incomode-se
e sonhe
sonhar
varre e limpa a alma
SANGRAMENTO
Ronaldo Araújo
olhar
para o incerto, querer o inatingível
desdobramentos
fúteis
viajar
por pensamentos eróticos
desejar o
óbvio da mulher “caliente”
desdobramentos
carnais
esvai-se
em mim planos notívagos
esvai-se
em mim loucuras que se desdobram
em minhas
longas noites não quero viver
as mesmas
coisas somente
quero
o-não-óbvio, o-não-comum
de nada
adianta sentir o gosto do que é insosso
desgastado,
dilacerado pela insipidez
não quero
viver o momentâneo
sou
imortal, luto por elos fortes
que me
entrelace a tudo que for novo
do fundo
da ignorância acusam nosso instinto como mau
o
instinto é animal e o animal age por instinto
somos homens,
sim, mulheres, sim
mas,
somos todos animais, duplamente animais
forte nosso
instinto assume, aflora
como a
alma do animal regido pela alma de outro animal
não
humano nesse mistério selvagem, psíquico
não nos
esqueçamos dos nossos ancestrais
MARGINAR
Ronaldo Araújo
marginar
caminhar à margem em busca
do novo
marginar
espreitar novos caminhos
não mendigar
ou
aceitar a miséria do imperialismo
marginar
olhar de fora
estar, de
certa forma, isento
do mundo
pensado por dentro
pelos
mesmos idiotas de centro
marginar
é enfrentamento
não
contra a sociedade
ou contra
alguém ou alguma vã filosofia
marginar
exercício de não seguir o que é imposto
pelo descaramento óbvio dos
interesses da aristocracia
marginar
seguir pela margem
digna de
acolher os insatisfeitos
marginalizados
SÓ HOJE
Ronaldo Araújo
hoje
e só hoje
quero ver
as pessoas como seres de luz
depois
ah, o
depois fica para depois
adivinhar
é perigoso quando se pretende crescer
a mim
muito interessa o que disseram os sábios
para que
eu possa seguir sendo eu mesma
pessoa
ínfima
nesse
oceano de grandes vultos
não
almejo se não um pouco de calor e de frio
para
transmutar o meu humor
o que me
cobram é pouco para minhas dívidas
por isso,
revolto-me diante de tanta hipocrisia
as
pessoas retêm o que não lhes pertencem
mas hoje
só hoje
quero ver
as pessoas como seres de luz
LEI E VERSOS
Ronaldo Araújo
nada se
fez se faz ou se fará sem a vontade do homem
é lei
os dias
nascem melhores ou piores devido nossas mãos e almas
não
adianta clamar por deus
se o seu
poder está em nossas vontades
as folhas
brancas aceitam tintas coloridas das esferográficas manipuladas pela mecânica
humana
no papel
branco surgem leis, decretos, normas, portarias ou versos
os chefes
dos gabinetes despacham aos chefes dos gabinetes com os cumprimentos dos seus superiores
que solicitam aos superiores para que nada mude de ordem nessa desordem
o diário
oficial é publicado de forma insalubre para que os cidadãos não tomem
conhecimento
aliás, a
eles não foram dadas oportunidades, sequer de aprenderem a ler
e as leis
ficam assinadas até que outra lei seja criada
até que
outra lei seja pensada
no
intuito fortuito de não mudar nada
que excelente se a vida fosse
ordenada por poesia.
ESSENCIAL
Ronaldo Araújo
estamos
escravos de nossas algemas
os
grilhões que nos acorrentam
foram
todos engendrados por nossas mentes adoentadas
faz tão
bem caminhar pelo bosque das inovações
quem sabe
alguém teria coragem de retirar as correntes que nos impedem de ver o que é
essencial à alma
o que é
essencial é a poesia
MEU CANTO
Ronaldo Araújo
canto
porque minha alma é canto e encanto
de canções nascidas na noite e no dia
sorrateira como a alegria
vida da criança tímida.
canto porque sinto em cada canto
a alma de todas as gentes
em sorrisos ou em gritos.
canto as noites de lua cheia
com a mesma força que repudio os fuzis disparados
em israel ou no iraque.
canto as estrelas que luzem as mentes
mesmo fechadas em puro egoísmo.
canto as flores e os jardins do jalapão
belos, selvagens, aromáticos
e plenamente primitivos
como sua gente feliz.
canto minha alma
porque prefiro cantar o êxtase e as dores
de todos os homens
de boa ou má vontade.
canto porque me sinto cidadão do mundo
chama universal para arte de cantar a vida.
HOJE
Ronaldo Araújo
hoje não vou ler os jornais.
quero abrir os armários do coração
expulsar os detritos gigantes do meu passado
hoje é dia de limpeza
quero jogar fora os desatinos
esquecer as fotografias pobres
varrer meus porões mesquinhos
quero minhas retinas límpidas
lubrificadas pelas lágrimas castas
do alvorecer radiante
hoje não vou ler as revistas.
nem considerar o passado.
não temer obstáculos
nem atenuar o sentido das palavras.
hoje quero começar o dia novo.
início de um novo tempo
que não se chamará ontem
porque o novo é sempre presente.
tenho certeza que o passado não voltará
nem o futuro acontecerá antes de seu tempo.
hoje, faço-me novo
com todas as coisas novas
porque não vou ler os jornais do passado.
CONTEMPORÂNEO
Ronaldo Araújo
sou contemporâneo
sou ou
não sou
eis que
não há uma questão
mas,
várias
meu verso
não lido
meu grito
não dado
meu livro
não editado
e a
dúvida do que sou:
poeta ou
marginal?
sou ou
não sou contemporâneo?
minha
poesia existe aqui ou no futuro?
por que
sou banido
quando
busco estar contido?
meus
versos não são fortes
apenas
primam pela essência
da não banalizada arte prima.
MARGINAIS
Ronaldo Araújo
colocaram-me
colocam-nos
à margem
dos
bairros ricos, aristocráticos.
colocaram-me
à margem da BR
nas
confináceas da periferia absurdamente miserável
colocaram-me
na mira da polícia
como quem
trafica drogas
quando
distribuía versos pelas ruas.
calaram-me
nos guetos
calaram-me
nos balcões das livrarias torpes.
colocaram-me
a cruz e o calvário
fizeram-me
feio, monstro.
sordidamente
fecharam-me as portas
porque
escrevi versos rebeldes
palavras
inquietas
preguei
idéias instigantes.
por isso,
e por tudo,
fizeram-nos
marginais: mim e minha poesia.
AMOR INCONDICIONAL
Ronaldo Araújo
amo a
poesia
incondicionalmente
ah, como
amo a poesia!
amo-a
tanto que vivo em êxtase
poetiso e
sou poetisado
cada
momento
porque me
enleio
e me
deixo ser envolto por sentimentos
idílios
poéticos.
ah, como
eu amo a poesia.
amo a
poesia como a primeira,
última e
única forma de ser
amo o
amor
ser
existente somente na poesia