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TUDO QUE VEM POR MINÚCIAS II














Orgasmo do silêncio


Ronaldo Araújo

Era uma garota diferente. Em tudo. Eu diria indescritível, pois, na possibilidade de não descrevê-la como tal, prefiro não arriscar e deixar para a imaginação posterior.
Só me importava que ela estava ali, em minha frente e muito próxima. Senti seus olhos fitos em mim. Choravam. A face rubra mostrava tristeza, e sinais de amarguras. Aproximei-me. Retirei seus cabelos que caiam nos olhos. Tomei suas mãos e as beijei. Ficamos calados longos minutos. Depois ela levantou-se e seguiu. Silêncio. Eu fiquei ali como se tivesse atingido um vibrante orgasmo.

 
PROCESSANDO O PRESENTE

Ronaldo Araújo

Olho o céu e vejo a imensidão
Olho na esquina e sinto solidão
Mentes vazias
Carros e gente na contramão.

Não preciso acreditar em tudo
Correr risco e enfrentar o mundo
Concretizar meus sonhos é o meu fruto.

Vou em linha quase sempre reta
Por ter pressa de alcançar a meta
Essa linha paranóica é louca
E vai me processando a cuca.

Não paro
Não chego
Não encaro o passado.
Vou em busca do futuro
Eu sou assim
Pura utopia.

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COMO NASCE UMA FLOR
Ronaldo Araújo

Meu olhar, nem tão perspicaz,
Tenta decifrar o nascimento de uma flor.

E assim se dá:

Existe uma centelha
Que se faz cor
Na luz e nas penumbras
E no limiar do tempo
Que se faz véu
Uma semente que germina

E ali,
seja campo ou jardim
pedreira ou coração
nasce uma flor
rebento de uma vida que se renova
para a vida.

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PRESENTE
Ronaldo Araújo
Ela me deu de presente uma poesia.
Sem saber.
Sem interesses.
Sem inferências.

Foi uma centelha do tempo,
um olhar.

Que olhar.
Que poesia.
Molhou meus olhos
Amoleceu meu coração.
Ela me deu de presente uma poesia.
E nem sabe o bem que me fez.


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AQUELAS MANHÃS
Ronaldo Araújo

Eu sou como aquelas manhãs
que surgiam sem manhas
Nos telhados do meu terral.

Eu sou como o sol bem dourado
Que bem cedo avistava
Na minha ruazinha do Pan.

Eu sou uma aurora devassa
caminhando com graça
para te encontrar.

E, então, ia eu e você
para ser ou não ser alegria.
Todas as manhãs
que eu vivia no Pan
eram algazarras
cantos de cigarras
para fazer um mundo melhor.

Mim e você.
Você e mim.
Meninos de Deus em sorrisos.

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CAOS
Ronaldo Araújo

Tudo que vem por minúcias
torna-se imenso no Universo
como as frestas dos nossos olhares
quando choram
nada posso pela normalidade
nada alcanço se me planto no chão

me convém, sou
me retém deixo de ser
minuciosamente agonizo
vendo o tempo passar
tudo é imenso
dinâmico
como o caos.

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MUNDINHO
Ronaldo Araújo

Me comove a pena que voa junto da poeira
O menino que a sacode
O vento que a transporta para o nada

Me comove a folha que cai
E reluta para não ir ao chão

O instante é isso

Grava-se para sempre
Na vida de quem o vive

O que não me comove são as pessoas
Práticas, técnicas, insensíveis
Nem a gramática
Insossa como o sino mudo
Que mata a poesia

Por isso, prefiro ser insano
Nesse cruel mundinho de bestas.
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CEGO
Ronaldo Araújo

As pessoas preferem ser cegas

Não enxergando
Não se questionam

A matéria fica livre do torpor
E a miséria é amenizada

As pessoas preferem ser pedras
Diante do que não é acaso

Cego sou para o que não quero ver
E só vejo o que me atina o tino

Abro minha alma para o que me é agradável
Faço-me cego
Como as pessoas insensíveis.

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FLOR QUALQUER
Ronaldo Araújo

Não quero ser uma flor qualquer
Como essas das calçadas
Artificiais.

Quero ser uma flor vivaz
Com a essência dos lábios aveludados
E o aroma das noites dos jardins.

Uma flor qualquer é qualquer flor
Que não se eterniza
Porque não impõe sua existência.

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MINHAS CAVERNAS
Ronaldo Araújo
No exato momento eu que escrevo vivo
atiço sentidos
gero crises humanas
atiço chamas do fogo da vida.
Meu silêncio rasga o sigilo
Tritura o tempo
Agoniza entranhas.
Tudo que sai de dentro de minhas cavernas
É livre
Como se livre fosse
cada soluço
que liberto do meu ventre.